Henry Blaha, um jornalista norte-americano, apaixonado por Rugby, ainda no início do século passado disse:
“Rugby is a beastly game played by gentlemen; soccer is a gentlemen’s game played by beasts; football is a beastly game played by beasts”. (Rugby é um jogo animalesco jogado por cavalheiros; Futebol é um jogo de cavalheiros jogado por animais; Futebol Americano é um jogo animalesco jogado por animais).
Não vou entrar no mérito da segunda e da terceira afirmativas, com as quais não concordo. Porém, acho que nenhuma frase define o Rugby tão bem quanto esta primeira afirmativa. E pude comprovar isso na prática no último sábado aqui em Treviso, quando fui assistir uma partida da Benetton Rugby, time da cidade, contra os irlandeses do Leinster, pela Celtic League. Fui a convite de dois amigos, motivado muito mais pela curiosidade do que pela paixão pelo jogo. Até porque, não entendo bulhufas das regras do esporte. Durante a partida, meus amigos iam me esclarecendo algumas regras, mas era um pouco confuso. Vendo o entusiasmo dos quase 5 mil torcedores, confesso que me arrependi de não ter dado uma mínima olhadinha na wikipedia antes de sair de casa. Todo caso, algumas coisas que eu já sabia a respeito do rugby, realmente se confirmaram na prática. Como desejei que aquele ambiente pudesse se reproduzir da mesma forma no futebol. Quem sabe um dia!
Começando pelo pré partida. Enquanto nos acotovelávamos em meio a multidão com seus guarda-chuvas abertos (chovia pra caramba sábado) para comprar os ingressos e entrarmos no estádio, víamos ao nosso redor dezenas de torcedores irlandeses. Todos alí, devidamente fardados com as camisetas azuis do Leinster, misturados aos italianos, tomando sua cerveja, bem tranquilos e sem qualquer tipo de temor ou receio por estarem em meio aos adversários. Ao entrar no estádio, pequeno mas bem organizado e que conta somente com 2 lances de arquibancada de concreto nas suas laterais (uma com coberta e outra sem), fiquei procurando no visual qual seria o setor destinado aos irlandeses. Quanta ingenuidade a minha! Logo me dei conta novamente de que aquela era uma partida de rugby, esporte de cavalheiros, logo, os torcedores irlandeses não teriam problema algum em se misturar novamente os italianos, como acontecia até então no entorno do estádio. Detalhe: os lugares dos visitantes eram os cobertos. Afinal, no rugby, assim como na casa de pessoas civilizadas, os hóspedes são sempre muito bem tratados.
Com a partida iniciada, enquanto eu me debatia tentando entender um ou outro lance mais particular que não se limitasse a obrigatoriedade da bola oval ser passada para trás, alguns pequenos detalhes iam me chamando atenção. Lá pelas tantas, o Leinster atacava, atacava, mas não conseguia marcar um ”Try”, que no rugby, seria o equivalente ao touchdown do futebol americano. Ou pra ser mais didático, “apoiar a bola com uma das mãos no chão dentro da área de validação adversária, que corresponde a área após a linha dos postes” (Wikipedia). Nesses casos, a equipe pode optar por tentar uma ”Conversão”, ou seja, tentar um chute em direção a trave em forma de “H” que fica na área adversária. O Leinster tentou algumas vezes, e conseguiu poucas. Mas não foi por falta de concentração, mas sim de pontaria mesmo, já que no momento de um ”Drop Goal”, o estádio inteiro se cala, seja pra equipe da casa como para a equipe adversária. “Respeito ao adversário”, me respondeu um dos meus amigos quando o questionei da ausência de vaias. Ainda durante a partida, outro momento interessante, e acho que foi o que mais me chamou atenção, foi quando o aglomerado de torcedores irlandeses resolveu começar a cantar. Estavam lá, em meio aos italianos, como mencionei acima, tentando dar uma força para os seus jogadores que incrivelmente estavam perdendo para a equipe da casa, que pela pouca tradição no rugby europeu, não era tida como favorita. No momento da cantoria irlandesa, a torcida da casa inteira se calou. E ao final da sua cantoria, aplaudiu. Algo surreal para alguém tão habituado as agruras do universo futebolístico.
No pós jogo, fomos para o bar anexo ao estádio. Alí acontecem os “terceiros tempos”, ou seja, o momento em que torcedores e jogadores de ambas equipes confraternizam. Jogadores vi somente quando o bar já estava fechando, e ainda assim, poucos. Provavelmente, as equipes confraternizaram em um espaço mais reservado, com pouco acesso a torcedores. Mas alí onde estávamos, novamente um clima de total amizade. A ponto de ter visto torcedor com camiseta do Leinster e boné da Benetton, algo inimaginável se estivesse falando de torcedores de futebol.
Tenho somente uma palavra pra concluir minha incursão rugbística: incrível! Como fã de futebol, sonho com o dia que possamos ter um clima semelhante nos nossos estádios! Ainda temos muito a evoluir em termos de organização e respeito as leis, mas sobretudo no saber vivenciar o esporte como entretenimento e congraçamento e não como guerra e divisão. Ah, e isso vale para os estádios no Brasil e na Europa também, não pensem que tudo aqui é perfeito (assunto para outro post).
Para concluir, 2 detalhes ligados ao marketing:
– A Celtic League possui um title sponsor, a Magners, fabricante de cidra. Portanto, o nome oficial da competição é Magner Celtic League.
– Lembram do “Match Program” do post anterior? Pois é, no Rugby ele também está presente, na mesma qualidade dos que conheci do futebol.
Mauro, belo post. Como rugbier amador é emocionante ouvir um relato como esse, ainda mais ao saber que tal relato veio da cidade natal de minha família.
Abraços
Parabéns pelo post. Gostei muito.
Parabéns pelo post, é interessante o quão importante é uma opinião moderadamente favorável…
Queria te pedir licença de referenciar esse teu post no site do nosso time de rugby, o Antiqua/Osório. Imagino que vai ajudar muito as pessoas a entender o espírito do rugby…
Djonatan, obrigado pelo elogio! E óbvio que estás autorizado a referencia-lo, uma honra para mim! Abraço!
Excelente post.
Com certeza o futebol tem muito que aprender com o Rugby.
E espero que um dia o Rugby seja tão grande quanto o futebol.
abraço
Obrigado pelo elogio Márcio! É uma longa estrada essa que o Rugby tem a percorrer até alcançar a popularidade do futebol, mas por que não? Abraço!
Parabéns pelo relato Mauro.
Esse texto tem muito a contribuir para a difusão do rugby no Brasil.
Um abraço,
Ah, me esqueci de sugerir uma alteração, acho que tu acabou confundindo a conversão com o drop goal…
http://www.youtube.com/watch?v=MUoA9lh8q0I isso é um drop goal
http://www.youtube.com/watch?v=723jkPKcF4M isso é uma conversão(é mais que uma conversão, é uma obra prima)
Blz Djonatan, valeu pelos vídeos, deu pra entender claramente a diferença. Conversão de trivela hein, não pensei que chutassem assim também no rugby. Já atualizei no texto, obrigado pela informação.
Mauro, muito legal mesmo seu post. Jogo Rugby no Brasil e já estive em alguns jogos fora, é complicado passar para as pessoas a educação e o respeito empregados dentro e fora de um campo de Rugby porque vivenciamos uma forma diferente de gostar do esporte aqui no brasil. Mas seu post relata fielmente a mesma sensção que vivi. É muito bom estar em um ambiente onde a civilidade predomina e sua pele vale mais que a cor da sua roupa. A comparação ainda é triste porque nossos estádios ainda tem aquele ar de arena. Mas ainda acredito na evolução, e um dia ainda vamos para os estádios para ganhar ou perder um jogo sabendo valorizar a beleza e a glória de uma disputa. Isso sim é o conceito da palavra ESPORTE.
Murillo, obrigado pelo elogio! O caminho a ser percorrido para chegarmos ao ponto de irmos a um estádio ou ginásio somente para torcer é longo ainda, mas tenho fé que um dia chegamos lá! Abraço!
Muito interessante Mauro! Leigo que sou no Rugby, é legal ler um relato como o teu. Nos aproxima um pouquinho do esporte e suas peculiaridades. Aliás, mais interessante que o esporte em si e suas regras, é esse clima “fora das quatro linhas” – parafraseando o nome do teu blog – que tu nos conta haver no rugby. Em tempos de “guerra” dentro de campos de futebol, que por vezes se alastra às arquibancadas, é confortante saber que, pelo menos nos jogos de rugby, a realidade é outra. Quem sabe um dia poderemos chegar a este estágio de confraternização entre as pessoas nos outros esportes também…Utopia?
Parabéns pelo blog.
Abraço
Não é utopia não Tiago, mas temos uma estrada longa ainda para percorrer, ao menos no futebol. Obrigado pelos elogios, abraço!
Parabéns pelo post. Muito interessante a matéria. Isso realmente emociona quem joga rugby ao ponto de arrepiar. Como dizemos nos nossos 3º tempos, “Isso é o Rugby!”